Sobre o fato que tomou conta de todas as mídias nacionais - e algumas internacionais – nas últimas semanas: O aborto da menina de nove anos estuprada pelo padrasto e que estava grávida de gêmeos. Acompanhei sempre que pude as reportagens veiculadas. Tomei juízo, embora distante, até que resolvi escrever. Colunistas do Brasil inteiro o fizeram, mesmo que a questão social não seja sua especificidade.
Dom José Cardoso Sobrinho, 75 anos, arcebispo de Olinda e Recife, que condenou o fato e tornou pública a excomunhão dos médicos responsáveis e parentes da vítima que permitiram o aborto, não tinha ideia da dimensão que sua declaração tomaria, contribuiu para o terror psicológico familiar, até que chegou ao Vaticano.
Num primeiro momento veio a sentença imediata do Conselho Pontifício apoiando a posição do arcebispo. Penso que deva ser, por exemplo, como ao sabermos de boca sobre a morte de alguém que costumava correr de carro:
- Também, ele estava sempre em alta velocidade!
Mas, desta vez, ele estava passando no sinal verde, quando alguém no cruzamento atravessou o vermelho e lhe bateu, o levando a morte.
É assim. Fazemos julgamento precoce antes de termos a ideia mínima dos acontecimentos. Pode ter acontecido com o Vaticano também. Condenar o aborto pelo fato em si, sem ter um conhecimento a fundo sobre as consequências que o geraram. Pois alguns dias depois veio a publicação no Osservatore Romano de um artigo dizendo que Dom José se precipitou. Sobre as declarações do arcebispo todos estão cansados de saber: condena o aborto como crime passível de excomunhão e o estupro de uma criança, não. Argumenta que no caso do aborto, a vítima (nesse casso, “as vítimas”) é indefesa. Mas, pergunta-se, que defesa pode apresentar uma criança de nove anos contra um adulto de 23?
Em entrevista às páginas amarelas da revista Veja desta semana, dom José recebeu a jornalista Juliana Linhares. Concedeu acompanhado de mais cinco pessoas: um advogado, uma psicóloga, um vigário, e um médico e sua esposa. Respondeu a questões de praxe. Disse que ele não excomungou ninguém e que isso se deu automaticamente. Dom José apoia-se na lei divina como superior às leis jurídicas, afirmando que, se uma lei humana contradiz uma de Deus, àquela não possui valor algum. No Brasil, o aborto é permitido em dois casos: quando a mãe corre risco de vida, e em casos de estupro. O da menina incorria em ambos.
A saber, dos nove casos que constituem excomunhão automática, três me chamaram a atenção: a apostasia, que é quando a pessoa se afasta da sua religião; a heresia, que constitui a descrença com alguns dogmas; e a terceira (pasmem!), a violência física ao Papa.
Ao apóstata pouca diferença fará ser excomungado ou não, pois acabara de abandonar sua religião mesmo. Ao herege, tampouco, pois certamente fundará uma nova seita. Mas, vejam novamente a contradição católica: violência física, única e exclusivamente ao Papa. Do beliscão à tortura. Então, o sujeito que beliscou o Papa pode ser excomungado, mas o estuprador e pedófilo, não? Para a igreja, a violência contra a menina é uma violência menos importante que a do Papa. Mas, afinal, a igreja não prega que somos todos iguais perante Deus? Outro detalhe: a menina só não foi excomungada pelo fato de que essa sentença não se aplica a menores de idade. Se ela fosse maior, também entraria na lista de pecadores.
O arcebispo não sabia nem o nome da menina – foi perguntado pela repórter, nem ele nem nenhum dos presentes soube responder. Apreciando a entrevista, penso que Juliana poderia fazer perguntas menos óbvias e mais incisivas. Pois já dizia o estudioso do New Jornalism, Tom Wolfe, que “fazer perguntas normais é fácil, jornalista tem que fazer as difíceis”.
Assim, penso que numa sociedade onde questões dessa importância ainda geram posicionamentos retrógrados, onde deveria vigorar o bom senso humano e a inteligência, é que percebo o quão importante é a origem da educação familiar, onde exista o livre arbítrio para crenças sócio-políticas e religiosas, sem cometer o erro da imposição. A formação ética também se dá na família e no ambiente onde se vive, estimulando a consciência a praticar o que é correto. O tripé: família, escola e igreja, não é mais unanimidade. A concepção é bípede: família e escola, onde a racionalidade aflora. Avaliando a barbárie do padrasto e o discurso do arcebispo, tento entender o porquê dessa conduta (ação e fala). Não para justificar os fins, mas, para compreender os meios, parafraseando Maquiavel. Aos católicos apostólicos romanos imagino que a opinião sobre excomungar ou não, seja divergente. Aos demais, penso que pouco importa.
Felipe Corrêa Severo
Estudante de Jornalismo